terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Catulo da Paixão Cearense (1863/1946)




Perfil

O tempo reconhece e perpetua. Assim foi com Catulo da Paixão Cearense, homem de muitos inimigos e adorado pelo povo. Inimigos porque desfiavam dele um rosário de mal versão que ia do vaidoso, passando pelo mulherengo, até chegar ao cabotino. Adorado por ter sido um dos poucos, talvez o único, poeta popular no Brasil que, em vida, recebeu todas as glórias, todas as honras e uma adoração popular tão grande.


Isso porque Catulo usou e abusou de toda a sonoridade que o sotaque nordestino lhe proporcionou, soube colocar em versos simples onde era o lugar de por versos simples. Tinha faro. Sabia ouvir, como ninguém mais, o rumor da terra. Catulo da Paixão Cearense era maranhense de São Luís, onde nasceu em 8 de outubro de 1863. Ainda menino, Catulo, com 10 anos, mudou-se com o pai, o ourives e relojoeiro Amâncio José da Paixão Cearense, a mãe, Maria Celestina Braga da Paixão e os irmãos, para o sertão do Ceará. Esse tempo que ficou no Ceará deixaria marcas profundas que, posteriormente, se converteriam em poesias e canções de rara beleza e de apurado trabalho de registro da língua brasileira, isto é, aquela escrita do jeito que se fala e que serviria de inspiração para o tema de sua mais conhecida peça: Luar do Sertão. Aliás, essa melodia, gravada nos primeiros anos deste século, época em que a indústria fonográfica engatinhava, custou alguns problemas ao seu autor: apesar de Catulo negar sempre, existe a possibilidade de que a melodia tenha sido adaptada pelo violonista João Pernambuco a partir de um tema folclórico nordestino. Mas, fato é que esta canção, composta originalmente com 10 estrofes com rimas emparelhadas, recebeu, além de inúmeras outras gravações nos mais diversos estilos, a consagração popular, a ponto de ter sido chamada de segundo hino nacional.


Em 1880, com 17 anos de idade, sua família mudou para o Rio de Janeiro que começava a substituir Salvador como principal cidade brasileira. O poeta adotou a cidade e criou problemas com o pai. Por essa época Catulo tocava flauta e travou conhecimento com algumas pessoas que moravam numa república. Essas pessoas eram Antônio Calado e Viriato, flautistas, Anacleto de Medeiros e Quincas Laranjeiras, que, exímio violonista, ensinou Catulo tocar violão. Daí para a boemia e as serenatas foi um pulo. É também dessa época a sua primeira modinha, Ao Luar:


Vê que amenidade/ que serenidade/ tem a noite em meio/ quando em brando enleio/ vem lenir o seio/ de algum trovador...


E, em seguida, o velho Amâncio espatifa um violão na cabeça do filho. Ele seguira-o e, desaprovando o comportamento de Catulo, resolvera castigá-lo. Tempos depois, Catulo tocaria violão e declamaria – e violão ainda era um instrumento maldito pela sociedade – no Palácio do Catete para a mais seleta platéia da República Velha. Nair de Tefé, esposa do Presidente Hermes da Fonseca (e amiga de Chiquinha Gonzaga) disse, de sua apresentação em 1914:


Essa audição de Catulo, no Palácio do Catete, constituiu o maior sucesso a que um verdadeiro artista poderia aspirar em toda sua vida. Catulo, ao término de cada canção que interpretava, recebia da culta assistência uma ovação delirante. Todos o aplaudiram de pé...


Também é dessa época uma história contada pelos seus inimigos envolvendo Catulo e Rui Barbosa: dizem que Catulo encontrou um amigo na rua e falou:


"acabo de sair da casa do ministro Rui Barbosa. Recitei o meu Hino às Aves e o baiano chorou. Só hoje é que vim a ter certeza de ele é realmente um gênio".

Em 1906, o cantor Mário Pinheiro (1880-1921) grava Talento e Formosura para a Casa Edson, de Fred Figner & Cia., a pioneira do mercado fonográfico do Brasil. No mesmo ano, grava também Resposta ao Talento e Formosura; em 1907. O Que Tu ÉsAté As Flores Mentem e Célia; em 1909, Choça ao Monte e Cabocla Bonita; em 1910, Adeus da Manhã e a grande criação de Catulo: Luar do SertãoSobre esta melodia falou-se que, como Luar do Sertão, teria sido adaptada de tema folclórico, mas fato é que esta música, para tristeza de Catulo, que não queria ser sucesso assim, acabou virando sucesso no carnaval carioca de 1913.

Luar do Sertão (toada, 1914) - João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense



Não há, ó gente, oh não luar / Como este do sertão (bis)

Oh que saudade do luar da minha terra / Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão / Esse luar cá da cidade, tão escuro
Não tem aquela saudade / Do luar lá do sertão (refrão)
A gente fria desta terra sem poesia / Não se importa com esta lua
Nem faz caso do luar / Enquanto a onça, lá na verde capoeira
Leva uma hora inteira, / Vendo a lua a meditar (refrão)
Ai, quem me dera que eu morresse lá na serra
Abraçado à minha terra e dormindo de uma vez
Ser enterrado numa grota pequenina
Onde à tarde a surunina chora sua viuvez (refrão).


***

Nos últimos dias de vida, Catulo morou num barracão na Rua Francisco Méier, hoje Rua Catulo da Paixão Cearense, no Engenho de Dentro, subúrbio do Rio de Janeiro. Ao barracão deu o nome de "Palácio Choupanal" e nele o poeta recebia velhos amigos, antigos companheiros da estiva e visitantes ilustres, entre eles, Monteiro Lobato, o poeta espanhol Salvador Rueda, o tenor e médico mexicano Alfonso Ortiz Tirado. Grande conversador, bom bebedor de cerveja, Catulo vivia sempre com a mesa cheia, e recebia as visitas de pijama e chinelos. Aliás, ele só conhecia dois trajes: ou o pijama ou o terno e gravata, nada de meios termos.


Catulo acabaria morrendo pobre a 10 de maio de 1946. Seu corpo foi embalsamado e o escultor Flory Gama modelou-lhe a máscara mortuária. Em depoimento para a História da MPB da Editora Abril, o seu amigo Carlos Maul contou que o enterro do poeta não foi um fato comum na cidades. "A banda do Corpo de Bombeiros ia tocando a Marcha Fúnebre e atrás da carreta com o corpo ia a massa popular. Quando o corpo chegou ao Cemitério São Francisco de Paula, no Catumbi, havia milhares de pessoas. Os discursos de personalidades fizeram com que a cerimônia entrasse pela noite. Uma lua imensa começou a luzir no céu e, espontaneamente, o tenor Alfonso Tirado começou a cantarolar Luar do Sertão. Em pouco milhares de vozes dominavam a noite".



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