sábado, 28 de janeiro de 2012

Violões e Atabaques no Despertar da Música Brasileira - Parte I

As toadas de violão, a modinha, o maxixe e a serenata eram a música do povo. Nos salões elegantes dançava-se valsa e polca, e cantavam-se árias de ópera. Somente nos ambientes de "gente mais esclarecida", povoados de escritores e jornalistas, é que a modinha e a serenata faziam a sua aparição lamurienta e plangente.

Somente em 1905 o maxixe começou realmente a tomar conta dos salões do Rio de Janeiro e passou a ser aceito pelas famílias de classe média. Logo, o maestro de teatro José Nunes compôs o Maxixe Aristocrático, cantado pela dupla de atores Pepa Delgado e Alfredo Silva, na revista "Cá e Lá".


Maxixe Aristocrático (maxixe, 1905) - José Nunes - Interpretação: Pepa Delgado e Alfredo Silva.



"De dois gêneros" - afirma o jornalista Luiz Edmundo - "são as serenatas que se fazem entre nós: a serenata de cantigas e a que se denomina choro. Na primeira avulta a voz humana ferindo a melodia (...). No choro, o caso é diferente, a voz humana não se escuta e só os instrumentos é que criam (...). No repertório dos chorões estão as valsas langorosas de Francisca Gonzaga, os sincopados tangos de Ernesto Nazareth", além de outros gêneros de música. Abaixo, o tango Favorito, de Ernesto Nazareth:


Favorito (tango, 1895) - Música de Ernesto Nazareth

Amor Avacalhado - Letrista desconhecido - Interpretação: Francisco Alves



Alguns compositores eruditos passaram a inspirar-se nessa música popular, fundindo-a com formas musicais europeias. Foi assim que o carioca Ernesto Nazareth criou o tango brasileiro, mesclando elementos do choro com a valsa. E sua música começou a ser executada em bailes e nas salas do cinema mudo.

Mais ligada ao teatro, a compositora Chiquinha Gonzaga (Francisca Edwiges Neves Gonzaga), famosa por suas polcas de salão inspiradas nas serenatas, musicou libretos de Arthur Azevedo e outras obras, num total de 77 peças teatrais. Numa época de rígido patriarcalismo, Chiquinha Gonzaga destacou-se por seu feminismo e por suas idéias avançadas. Para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro, a compositora criou uma das mais célebres músicas de carnaval, a marcha Abre Alas, de 1899. Em 1901, todo o Rio de Janeiro cantava com ela: Ó abre alas/Que eu quero passar/Eu sou da lira/Não posso negar.

Ò Abre Alas (marcha-rancho, 1901) - Chiquinha Gonzaga - Interpretação: Marlene, Emilinha Borba e Ângela Maria


A aproximação de compositores considerados "sérios" à música cantada e dançada nos morros e cortiços começava a abrir para a música popular o caminho dos salões. O carnaval, na época chamado "entrudo", era o grande campo de provas democrático que tendia a nivelar, momentaneamente, todas as classes sociais num vasto oceano ondulante e suarento a gingar e requebrar-se ao som da música plebéia e ao ritmo do atabaque. No Rio, vibrantes e dourados cordões e blocos, envoltos em serpentinas e sob chuvas de confetes, percorriam a rua do Ouvidor cantando em coro: Viva o Zé Pereira/Que a ninguém faz mal/E viva a bebedeira/Nos dias de carnaval! 

Cena do Carnaval de 1905. Abaixado, de gravata, o compositor Sinhô

E o desfile continuava, clubes e cordões sucedendo-se em intermináveis demonstrações: Cordão Rosa de Ouro, Tenentes do Diabo, Fenianos, Filhos da Primavera, Democráticos. Em 1907, surgiu a Sociedade Carnavalesca Ameno Rezedá, que marcaria toda uma época de carnavais. Dançava-se muito o maxixe, primeira dança urbana brasileira, que nascera por volta de 1870 como resultado da mistura da polca com o lundu, este último uma dança africana quente e sensual, cujo clímax era a célebre umbigada, tão condenada quanto invejada pelas famílias de classe média para cima. Essas famílias, que apreciavam o maxixe nos teatros de revista, chamavam a polícia, quando o viam ser dançado nas ruas. 


Outro gênero musical muito executado era o tango brasileiro, variante mais bem comportada do maxixe. Havia ainda polcas, quadrilhas e até mesmo valsas. A irreverência e a sátira política já começavam a irromper nas músicas carnavalescas. Em 1909, por exemplo, a música mais cantada foi a polca No Bico da Chaleira, de Juca Storoni (maestro Costa Júnior), satirizando a bajulação política e criando o termo "chaleirar", que por muito tempo foi sinônimo de "puxa-saquismo".

No Bico da Chaleira (polca, 1909) - Juca Storoni


Iaiá / me deixa subir esta ladeira / Eu sou do bloco / Mas não pego na chaleira / Na casa do Seu Tomaz / Quem grita / é que manda mais / Que vem de lá / Bela Iaiá / Ó abre alas / Que eu quero passar / Sou Democrata / Águia de Prata / Vem cá mulata / Que me faz chorar 

As mulatas já eram símbolos eróticos e musas dos carnavais. Vem Cá, Mulata, tango-chula de Arquimedes de Oliveira com versos de Bastos Tigre, popularizou-se imediatamente em 1906. Três anos antes, o grande sucesso do carnaval foi a cançoneta Quem Inventou a Mulata, de Ernesto de Souza

Vem Cá Mulata (tango-chula, 1906) - Arquimedes de Oliveira e Bastos Tigre - Interpretação: Os Geraldos


No ano seguinte, 1904, o Rio inteiro cantou a polca Rato, Rato, de Casemiro Rocha e Claudino Costa, ironizando a campanha de Oswaldo Cruz pela erradicação do temido roedor.

Rato, Rato (polca, 1904) - Casimiro da Rocha - Interpretação: Ademilde Fonseca


Rato, rato, rato?Por que motivo tu roeste o meu baú/Rato, rato, rato/Aldacioso e malfazejo gabiru...


Fonte I: Nosso Século (1900/1910 - Parte II)
Fonte II: Cifra Antiga - http://cifrantiga3.blogspot.com/

Continua...

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...