domingo, 22 de maio de 2011

Lamartine Babo - 1904/1963



Quase 80 anos depois de composta, ainda é sucesso nas festas de Carnaval pelo Brasil afora a marchinha "O Teu Cabelo não Nega". O autor da proeza foi um carioca nascido na rua Teófilo Otoni, Centro do Rio de Janeiro, em 10 de janeiro de 1904. Lamartine de Azeredo Babo, o Lalá, compôs esta, em parceria com os pernambucanos Irmãos Valença, e outras cerca de 300 músicas sozinho ou com dezenas de parceiros nos tempos em que o Carnaval e a própria música popular brasileira vivia a chamada "Época de Ouro". Muitas de suas composições foram sucessos nos Carnavais das décadas de 30, 40 e 50, permanecendo até hoje. Sua primeira música gravada foi Os Calças Largas, em 1930, que tratava dos homens que usavam calças boca de sino.

Além de marchinhas, ele também incursionou pelo samba, músicas juninas, valsas, operetas e até pelo estilo sertanejo. Quem nunca ouviu em vozes consagradas No Rancho Fundo, feita em parceria com Ary Barroso? Isso sem falar nos hinos de clubes de futebol carioca, como Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco da Gama e América, do qual era torcedor. Algumas de suas composições nem chegaram ser a gravadas, estando apenas em partituras. Sua primeira música, Pandoran data ainda de quando adolescente e estudava no Colégio São Bento. Nessa época, chegou a compor letras de cunho religioso.


Em sua carreira, fez sucesso em programas de rádio, foi produtor, revistógrafo, humorista e teve breves incursões na TV, no fim dos anos 50 e início dos 60. A sátira, o humor escrachado, o nonsense eram suas marcas registradas. A obra de Lalá é considerada pelo biógrafo Suetônio Soares Valença, autor de "Tra-la-lá: Lamartine Babo ", "um caso à parte, pela apurada sensibilidade e pelo fino humor de suas produções". O compositor também se agregou, em 1929, ao Bando dos Tangarás, ao lado de Noel Rosa, Almirante, João de Barro (Braguinha), Alvinho e Henrique Brito.


Para citar apenas alguns de seus sucessos carnavalescos, que reinaram no Carnaval do Rio, entre 1932 e 1934, caracterizados por variados estilos - romântico, brejeiro, malicioso - além de O Teu cabelo não Nega, os foliões agradecem por Marchinha do Amor, Linda Morena, Moleque Indigesto, Aí, hem, A Tua Vida é um Segredo, Marchinha do Grande Galo, Grau Dez, Rasguei Minha Fantasia, A.E.I.O.U., Babo...zeira e Canção para Inglês Ver.


Canções sentimentais também fazem parte do seu repertório, com destaque para as valsas Eu Sonhei que Tu Estavas tão Linda, Mais uma Valsa, Mais uma Saudade e as sertanejas Serra da Boa Esperança e No Rancho Fundo. São de sua autoria também Senhorita Carnaval, Joujoux e Balangandãs e Cantores do Rádio. Seus principais intérpretes foram os cantores Mário Reis, Francisco Alves, com quem formou o grupo Ases do Samba, e Carmem Miranda. As três operetas que Lalá compôs, um dos gêneros musicais de que mais gostava - Cibele, Lola e Viva o Amor - nunca chegaram a ser gravadas. Abaixo: Francisco Alves, Gastão Formenti, Carmen Miranda, Breno Ferreira e Lamartine Babo:


Como a maioria dos compositores de sua época, Babo não tinha formação musical. Sua incursão pela arte se deu por influência dos pais, Leopoldo Azeredo Babo e Bernarda Preciosa Gonçalves de Azeredo Babo, que gostavam de música. O pai era frequentador assíduo das salas de espera dos cinemas, onde se apresentavam as orquestras. A mãe organizava saraus em casa, frequentado por músicos como Ernesto Nazareth e Catulo da Paixão Cearense. "Ele descrevia todo o arranjo, cantando a introdução, meio e fim, solfejava acordes e sugeria partes instrumentais. A gente só fazia escrever", afirmou o maestro Radamés Gnatalli. Destaque para as primorosas introduções instrumentais das músicas de Lalá.


Depois do seu falecimento, por ataque cardíaco, em 1963, as composições de Lalá já ganharam vozes mais atuais, como Erasmo Carlos, Chico Buarque, Maria Bethânia e Nara Leão, na década de 70; e nos anos 80, João Gilberto, Rita Lee, As Frenéticas e Chitãozinho e Xororó.


Contexto Histórico

Lamartine Babo fez parte de uma geração de compositores que ajudaram a formar o que, hoje, é a música popular brasileira, tendo no samba seu maior representante. Apesar de também ter entre suas obras alguns sambas, Lalá se especializou na composição de marchas carnavalescas, seguindo as influências de operetas e músicas norte-americanas dos anos 20, conforme o biógrafo Suetônio Soares Valença, autor de Tra-la-lá. Grande parte de suas obras tem as características nonenses do Dadaísmo, movimento cultural que atuava na Europa até o início da década de 20.
O sucesso de suas marchinhas carnavalescas aproveitou também o contexto de apoio governamental ao Carnaval carioca, pela então Prefeitura do Distrito Federal. Era assíduo nos concursos de músicas para a festa e participava ativamente de blocos de rua. No entanto, a partir de 1937, com o advento do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), no governo do então presidente Getúlio Vargas, e a censura que veio a reboque, os gêneros carnavalescos irreverentes como o de Lamartine Babo ficaram proibidos de utilizar a sátira em suas composições. Aos poucos foi de afastando das composições de Carnaval e só voltaria a compor um sucesso para festa em 1958, com Os Rouxinóis.
Larmartine Babo também se engajou na defesa dos direitos autorais dos compositores brasileiros. Após o afastamento do Carnaval carioca, no fim dos anos 30, entrou para a União Brasileira de Compositores (UBC), onde foi suplente de diretor, secretário, presidente, tesoureiro e, de 1958 a 1963, ano em que faleceu, foi indicado para conselheiro permanente da entidade.
Lalá também influenciou e recebeu influência do veículo vivia seus anos de ouro, o rádio, se utilizando de sua capacidade de propagação como canal para divulgação de suas obras e, principalmente, como profissão. Esteve à frente de programas de sucesso entre as décadas de 30 a 50, destacando-se Horas Lamartinescas Radioletes, A Canção do Dia, Perfis e Perfídias, O Clube da Meia-Noite, Trem da Alegria e a Vida Pitoresca e Musical dos Compositores.
Também esteve envolvido no Teatro de Revista, que fez sucesso no Brasil até o fim da década de 50, criando composições para o gênero. O cinema feito para o Carnaval, que fazia sucesso nas primeiras décadas do século XX, também contou Lalá - "A Voz do Carnaval", de 1933, dirigido por Humberto Mauro e Ademar Gonzaga; "Alô Alô, Brasil", de 1935, com direção de João de Barro (Braguinha), Alberto Ribeiro e Wallace Downey; e "Alô, Alô, Carnaval", de 1936, com direção de Ademar Gonzaga. Os filmes guardam cenas antológicas da história da música brasileira e do próprio cinema nacional.


Curiosidades

Música no trabalho

Após a morte do pai, a família passou por dificuldades financeiras. Lalá teve que abdicar da Escola Politécnica para trabalhar como office-boy da Light. Quatro anos depois, foi para a Companhia Internacional de Seguros, mas logo foi despedido porque seu patrão o viu batucando numa mesa, em horário de trabalho, e também mordendo a língua, cacoete que fazia quando estava compondo. O artista também chegou a dar aulas de dança, à noite, nos clubes Tuna Comercial e Ginástico Português, para complementar a renda.

Copidesque

Se especializou em copidescar canções mal feitas e mal arranjadas, transformando-as em grandes sucessos. É o caso de "No Rancho Fundo" e "Uma Andorinha não Faz Verão". O sucesso "O Teu Cabelo não Nega" surgiu assim. Escrita pelos irmãos João e Raul Valença, Lalá alterou a letra e alguns arranjos, além de criar a inesquecível introdução instrumental da obra.

Artista engraçado

Seu bom humor era marca registrada. Várias tiradas de sua autoria ficaram conhecidas. Durante uma entrevista: "Eu me achava um colosso. Mas, um dia, olhando-me no espelho, vi que não tenho colo, só tenho osso". No balcão dos Correios: Lalá foi enviar um telegrama, o telegrafista então bateu o lápis na mesa em Código Morse para seu colega: "Magro, feio e de voz fina". Lalá tirou o seu lápis e bateu: "Magro, feio, de voz fina e ex-telegrafista". Sobre sua voz fina: "Não tenho voz, tenho vez". Sobre sua magreza: "Eu era tão magro que não dava fotografias às minhas fãs, dava radiografias".


Polêmica autoral

O Teu Cabelo não Nega, seu maior sucesso, esteve envolvida em polêmica. Depois de Lalá fazer alterações na letra e no arranjo do frevo Mulata, dos pernambucanos Irmãos Valença, a fábrica lançou o disco para o carnaval sem dar crédito ao nome deles. Os Irmãos Valença, parceiros na autoria, reclamaram seus direitos e foram atendidos pela gravadora.


Abaixo: Hino do Vasco da Gama (1949), de Lamartine Babo



terça-feira, 17 de maio de 2011

Chão de Giz

Acabei de descobrir que uma das músicas da trilha sonora da novela Cordel Encantado é Chão de Giz. Para quem não sabe, essa é uma das minhas músicas preferidas, se não a melhor de todas....

José Ramalho Neto nasceu na Paraíba, em 1949 (sim, ele tem mais de 60 anos). Sua carreira artística começou na década de 70. Fui saber mais sobre ele, no site http://www.zeramalho.com.br/


Ele é meio bruxo. Até o site dele demonstra isso. Em seu primeiro disco, de 1978 (acima), já havia a música Chão de Giz. A terceira do Lado A, com 4:45 de duração.

Achei uma explicação para a música, no site
Museu da Canção (http://museudacancao.multiply.com/photos/album/22), que transcrevo aqui:

"O Zé teve, em sua juventude, um caso duradouro com uma mulher casada, bem mais velha, da alta sociedade de João Pessoa, na Paraíba. Ambos se conheceram num Carnaval. 
Ele se apaixonou perdidamente por esta mulher, só que ela era casada com uma pessoa influente da sociedade, e nunca iria largar toda aquela vida por um "garoto pé rapado" que ela apenas "usava" para transar gostoso.
Assim, o caso, que tomava proporções grandes, foi terminado. O Zé ficou arrasado por meses, e chegou a mudar de bairro, pois morava próximo a ela. E, nesse período de sofrimento, compôs a canção. Conhecendo a história, você consegue perceber a explicação para cada frase da música, que passo a transcrever: 

"Eu desço dessa solidão, espalho coisas sobre um chão de giz" 

Um de seus hábitos, no sofrimento, era espalhar pelo chão todas as coisas que lembravam o caso dos dois. O chão de giz também indica a fugacidade do relacionamento, facilmente apagável (mas não para ele...) 

"Há meros devaneios tolos a me torturar" 

Aqui é meio claro, devaneios, viagens, a lembrança dela a torturá-lo. 

"Fotografias recortadas de jornais de folhas amiúde" 

Outro hábito seu era recortar e admirar TODAS as fotos dela que saiam nos jornais - lembrem-se, ela era da alta sociedade, sempre estava nas colunas sociais. 

"Eu vou te jogar num pano de guardar confetes" 

Pano de guardar confetes são aqueles balaios ou sacos típico das costureiras do Nordeste, onde elas jogam restos de pano, papel, etc. Aqui, ele diz que vai jogar as fotos dela fora num pano de guardar confetes, para não mais ficar olhando-as. 

"Disparo balas de canhão, é inútil pois existe um grão vizir" 

Ele tenta ficar com ela de todas as formas, mas é inútil pois ela é casada com o tal figurão rico (o Grão Vizir).

”Há tantas violetas velhas sem um colibri" 

Aqui ele pega pesado com ela... há tantas violetas velhas (como ela, bela, mas velha) sem um colibri (jovem pássaro que a admire). Aqui ele tenta novamente convencê-la simbolicamente, destacando a sorte dela - violeta velha - poder ter um colibri, e rejeitá-lo. 

" Queria usar quem sabe uma camisa de força ou de vênus" 

Bem, aqui é a clara dualidade do sentimento dele. Ao mesmo tempo que quer usar uma camisa de força, para manter-se distante dela e não sofrer mais, queria também usar uma camisa de vênus, para transar com ela. 

"Mas não vão gozar de nós apenas um cigarro" 

Novamente ele invoca a fugacidade do amor dela por ele, que o queria apenas para "gozar o tempo de um cigarro". Percebe-se o tempo todo que ele sente por ela profundo amor e tesão, enquanto é correspondido apenas com o tesão, com o gozo que dura o tempo de se fumar um cigarro (também representativo como o sexo, pois é hábito se fumar um cigarro após o mesmo).

"Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom" 

Para que beijá-la, "gastando o seu batom" (o seu amor), se ela quer apenas o sexo? 

"Agora pego um caminhão, na lona vou a nocaute outra vez" 

Novamente ele resolve ir embora, após constatar que é inútil tentar. Mas, apaixonado como está, vai novamente "à lona" - expressão que significa ir a nocaute no boxe, mas que também significa a lona do caminhão com o qual ele foi embora - lembrem-se que ele teve que se mudar de sua residência para "fugir" desse amor doentio 

"Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar" 

Auto-explicativo, né?! Esse amor que, para sempre, irá acorrentá-lo, amor inesquecível. 

"Meus vinte anos de boy, "that's over, baby" , Freud explica" 

Ele era bem mais novo que ela. Ele era um boy, ela era uma dama da sociedade. Freud explica um amor desse (complexo de Édipo, talvez?). Em todo caso, "that´s over, baby", ou seja, está tudo acabado. 

"Não vou me sujar fumando apenas um cigarro, nem vou te beijar, sujando assim o meu batom"

Ele não vai se sujar transando apenas mais uma vez com ela, sabendo que nunca passará disso 

"Quanto ao pano dos confetes já passou meu carnaval" 

Lembrem-se, eles se conheceram num carnaval. Voltando a falar das fotos dela, que ele iria jogar num pano de guardar confetes, ele consolida o fim, dizendo que agora já passou seu carnaval, ou seja, terminou, passou o momento. 

"E isso explica porque o sexo é assunto popular" 

Aqui ele faz um arremate do que parece ter sido apenas o que restou do amor dele por ela (ou dela por ele): sexo. Por isso o sexo é tão popular, pois só ele é valorizado - uma constatação amarga para ele, nesse caso. 
Há quem veja também aqui uma referência do sexo a ela através do termo "popular", que se referiria ao jornal (populares), e ela sempre estava nos jornais, ele sempre a via neles. 

"No mais estou indo embora" 

Bem, aqui é o fechamento. Após sofrer tanto e depois desabafar, dizendo tudo 
que pensa a ela na canção, só resta-lhe ir embora.".



CHÃO DE GIZ
( Zé Ramalho )

Eu desço dessa solidão
Espalho coisas sobre
Um Chão de Giz
Há meros devaneios tolos
A me torturar
Fotografias recortadas
Em jornais de folhas
Amiúde!
Eu vou te jogar
Num pano de guardar confetes
Eu vou te jogar
Num pano de guardar confetes...

Disparo balas de canhão
É inútil, pois existe
Um grão-vizir
Há tantas violetas velhas
Sem um colibri
Queria usar quem sabe
Uma camisa de força
Ou de vênus
Mas não vou gozar de nós
Apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar
Gastando assim o meu batom...

Agora pego
Um caminhão na lona
Vou a nocaute outra vez
Prá sempre fui acorrentada
No seu calcanhar
Meus vinte anos de "boy"
That's over, baby!
Freud explica...

Não vou me sujar
Fumando apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar
Gastando assim o meu batom
Quanto ao pano dos confetes
Já passou meu carnaval
E isso explica porque o sexo
É assunto popular...

No mais estou indo embora!
No mais estou indo embora!
No mais estou indo embora!
No mais!...


Lembranças...

1928 - Caminito



Caminito - Coria Peñaloza
Caminito que el tiempo ha borrado,
que juntos un día nos viste pasar,
he venido por última vez,
he venido a contarte mi mal.
Caminito, que entonces estabas

bordado de trébol y juncos en flor,

una sombra ya pronto serás,

una sombra, lo mismo que yo.

DESDE QUE SE FUE TRISTE VIVO YO,

CAMINITO AMIGO, YO TAMBIÉN ME VOY.

DESDE QUE SE FUE NUNCA MÁS VOLVIÓ,

SEGUIRÉ SUS PASOS,  CAMINITO, ADIÓS.

Caminito, que todas las tardes

feliz recorría cantando mi amor,

no le digas si vuelve a pasar

que mi llanto tu suelo regó.

Caminito cubierto de cardos,

la mano del tiempo tu huella borró...

yo a tu lado quisiera caer,

que el tiempo nos mate a los dos.


domingo, 15 de maio de 2011

Noel Rosa - 1910/1937




Foram cerca de 200 composições em apenas 26 anos, quatro meses e 23 dias de uma vida curta, mas de intensa produção artística. Noel de Medeiros Rosa, nascido e criado no bairro de Vila Isabel, subúrbio do Rio de Janeiro, entre 1929, quando começou a compor, e 1937, quando faleceu vítima da tuberculose, foi um dos responsáveis pelo que hoje representa o samba para a arte brasileira.
O aclamado "Poeta da Vila" e "Filósofo do Samba" subiu o morro e trouxe para a "cidade a música nascida nos quintais dos imigrantes afro-baianos, que formavam o Rio do início do século XX. O samba se legitimava como gênero musical e deixava de lado o estigma de música feita apenas para negros. O malandro vira boêmio e as letras se transformam em crônicas do Rio de Janeiro dos anos 20 e 30. "Ninguém o superou na legitimidade de sua poesia", afirmou Carlos Heitor Cony, em artigo na Folha, em 1964.
Amante dos botequins, da noite e da boemia, o que aliados à sua já fragilidade física - nasceu de um parto a fórceps, o que provocou afundamento do maxilar e paralisia na face, prejudicando sua alimentação - Noel Rosa poderia ter sido médico, mas preferiu ser sambista. Envolvidos com a música, o pai, o comerciante Manuel de Medeiros Rosa, que tocava violão, e a mãe, a professora Martha Azevedo, no bandolim, foram decisivos para adentrar o então adolescente Noel, com 13 anos, na arte de tocar.
Começou no bandolim, mas foi no violão que encontrou seu talento.
A música para Noel Rosa, apelidado de Queixinho na escola, foi também uma forma de compensar as restrições que lhe causavam a deficiência na face. Em 1925, com 14 anos, já fazia serenatas junto com irmão Hélio Rosa, quatro anos mais novo, e começava a abusar do álcool, do cigarro e das farras. Em declaração à imprensa da época, confessou: 
"A menina do lado cravava em mim uns olhos rasgados de assombro. Então eu me sentia completamente importante. Ao bandolim confiava, sem reservas, os meus desencantos e sonhos de garoto que começava a espiar a vida".
Iniciou sua carreira compondo canções com inspirações nordestinas, entre emboladas e cateretês, no grupo Flor do Tempo, que depois passou a se chamar Bando dos Tangarás. O conjunto era forma por ele e outros nomes da música na época: Almirante, Braguinha (João de Barro), Alvinho e Henrique Brito. Contudo, foi no samba que Noel consolidou sua arte. Em 1931, compôs seu primeiro grande sucesso, o samba "Com que roupa?", sucesso no Carnaval daquele ano.

Canções como "Palpite Infeliz", "Com que Roupa", "Último Desejo", "Fita Amarela", "O Orvalho Vem Caindo", "Até Amanhã", "Três Apitos", "O X do Problema", "João Ninguém", "Quem Ri Melhor", "Dama do Cabaré", "Quando o Samba Acabou", "Conversa de Botequim", "Feitio de Oração", "Feitiço da Vila", "Cem Mil Réis", ele compôs sozinho e com mais de 50 parceiros. Dois deles se sobressaem: Ismael Silva e Vadico. Duas cantoras também foram destaques na interpretação de suas canções: Marília Baptista e Aracy de Almeida (abaixo).


Em dezembro de 2010, Noel Rosa faria 100 anos. Morreu cedo, mas deixou um legado que influenciou e continua influenciando as gerações posteriores de músicos, como Tom Jobim e Chico Buarque.

Contexto histórico

Quando Noel Rosa começou a compor, no fim da década de 20, o samba carioca dava os primeiros passos rumo ao status de gênero representante da identidade musical brasileira. Saído das festas de fundo de quintal nas casas das tias baianas, nos arredores da nova cidade que começava a ser "reconstruída" pelo governo, o samba ainda guardava características que o deixavam à margem da sociedade que se dizia civilizada: era feito por negros, marcado pelo improviso, fazia apologia à malandragem e era dotado de sentido lúdico-religioso. Abaixo, a casa onde Noel nasceu, em Vila Isabel:


Da periferia do novo Centro carioca e dos morros que começavam a ser ocupados pelo povo expulso da área brotavam os primeiros compositores do samba , como Sinhô, Donga, João da Baiana e Pixinguinha. Os bares e cabarés da cidade recebiam as primeiras apresentações, ainda sob perseguição da polícia. Noel Rosa, influenciado pelos sambistas do morro, foi um dos responsáveis pela inserção definitiva do samba na cidade. O impulso dado pelo rádio também foi de grande importância. Ao lado de nomes da música como Orestes Barbosa, Nássara, Mário Lago e Ary Barroso, Noel participou do grupo de compositores responsáveis pelo novo padrão estético do samba.
O momento, no início da década de 30, coincidiu com a política de valorização da cultura brasileira promovida pelo governo do presidente Getúlio Vargas. Em 1931, surgiu o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que estabelecida regras para os artistas e reforçava a censura a produções que atentassem contra a ordem estabelecida. Essa política nacionalista acabou beneficiando a nascente produção da música popular brasileira, liderada pelo samba.
De acordo com dados levantados por Zuza Homem de Melo e Jairo Severiano, em "A Canção no Tempo", entre 1931 a 1940, o samba tornou-se o gênero mais gravado, ocupando 32,45% do repertório gravado em disco.

Curiosidades

Música e Medicina

Noel Rosa cursou, em 1931, um ano da faculdade de Medicina, beneficiado por um decreto que permitiu a entrada de estudantes na faculdade. Por influência do curso, compôs a música "Coração", cujos versos dizem: "Coração, grande órgão propulsor/ transformador do sangue venoso em arterial; coração, não és sentimental; mas entretanto dizem que és o cofre da paixão."

Restrições físicas

Por causa do defeito no maxilar, resultado de seu parto complicado, geralmente não comia em público. O desencontro das arcadas dentárias e a articulação insuficiente do queixo forçavam Noel Rosa a preferir alimentos líquidos, pouco nutritivos. A bebida e o cigarro também aceleraram o processo que resultou em sua morte precoce.


Tratamentos fracassados

Em 1935, viajou para tratar dos pulmões lesionados na casa de parentes em Belo Horizonte. O tratamento foi muito curto porque logo passou a frequentar as rodas boêmias da capital mineira. O mesmo teria acontecido em Nova Friburgo (RJ), para onde, em 1936, também viajou com o objetivo de se tratar. Barra do Piraí, no Estado do Rio, foi outro destino para tratamento, mas já era tarde.

História do sucesso

O samba "Com que Roupa?" não foi criado pelo fato de que a mãe de Noel, certa vez, escondeu sua roupa para que não saísse em busca de farras. O parceiro e primeiro biógrafo Almirante desmentiu tal lenda anos mais tarde. Verdade foi que a composição tinha os primeiros acordes muito parecidos aos do Hino Nacional Brasileiro, problema detectado pelo maestro Homero Dornelas e prontamente modificada pelo autor.


Contra a malandragem

Em 1933, Noel começou uma polêmica com o compositor Wilson Batista, quando este criou o samba "Lenço no Pescoço", que faz apologia à malandragem. Num "duelo" de composições", Noel compôs "Feitiço da Vila" para rebater "Lenço no Pescoço". Seguiram-se um novo samba de Batista e outro de Noel, a música "Palpite Infeliz". Wilson Batista respondeu com duas novas músicas: "Frankstein da Vila", no qual destaca a deficiência física de Noel, e "Terra de Cego", que terminaram sem resposta. Quando se conheceram pessoalmente, depois do ocorrido, refizeram este último samba, nascendo a canção "Deixa de Ser Convencida".

Imagem de Noel digitalizada por Luquefar




Com Que Roupa? 
Agora vou mudar minha conduta, Eu vou pra luta, 
Pois eu quero me aprumar 
Vou tratar você com a força bruta 
Pra pode me reabilitar 
Pois esta vida não ta sopa 
E eu pergunto: com que roupa 
Com que roupa, que eu vou, 
Pro samba que você me convidou? 
Com que roupa que eu vou 
Pro samba que você me convidou? 
Agora eu não ando mais fagueiro 
Pois dinheiro não é fácil de ganhar 
Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro 
Não consigo ter nem pra gastar 
Eu já corri de vento em popa 
Mas agora com que roupa? 
Com que roupa que eu vou 
Pro samba que você me convidou? 
Com que roupa que eu vou 
Pro samba que você me convidou? 
Eu hoje estou pulando como sapo 
Pra ver se escapo 
Desta praga de urubu 
Já estou coberto de farrapo 
Eu vou acabar ficando nu 
Meu terno ja virou estopa 
E eu nem sei mais com que roupa 
Com que roupa que eu vou 
Pro samba que você me convidou? 
Com que roupa que eu vou 
Pro samba que você me convidou?

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